"Como não escrevo. Não escrevo sem lavar os dentes, as palavras ganham sarro e devem sair frescas da boca para a ponta dos dedos. Não escrevo sem pensar que são quê, cinco da manhã, voltaste a acordar antes do sol e é bom que tenhas algo a dizer na confusão do mundo. Não escrevo de barriga cheia ou com vestígios de ressaca. Reduz o horário de escrita do ano, mas nada a fazer. Se começas a ficar tonto, come as palavras que estão a mais, há sempre muitas. Quando não aguentares o jejum, se a própria fome te engorda a frase, vai ao frigorífico e repõe o açúcar e o sal no sangue.
Não escrevo sem pensar nas possibilidades do ridículo de escrever, que nunca acabam. Não escrevo sem pensar que posso ser mais uma pessoa que devia fazer outra coisa na vida. Não escrevo sem perceber que então ia fazer o quê?
(...)
Escrevo porque as mulheres são bonitas e cheiram bem. E pelos vivos e pelos mortos, as pessoas vivem e de repente morrem-nos. E o mar tem peixes e os bosques pássaros e o esgotos ratos. Escrevo porque é uma profissão interessante, há de certeza melhores, mas não me calharam nem podia ser."
Rui Cardoso Martins in Time Out
E eu como é que escrevo..?
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